domingo, janeiro 14, 2007

"A minha mulher merece morrer com dignidade"

"A minha mulher merece morrer com dignidade"
Maria Assunção sofre de esclerose lateral amiotrófica. É uma doença neurológica degenerativa e que conduz à morte, normalmente por falha respiratória. Ela não quer ser ligada a um ventilador
"A minha mulher merece morrer com dignidade e isso significa respeitar o que ela entende que deve ser feito." Quem assim fala é Diogo Martins. Fala de Maria Assunção, uma ex-professora de 57 anos, a quem diagnosticaram uma doença rara e fatal há dois anos: esclerose lateral amiotrófica. É uma doença neurológica degenerativa e que conduz à morte, geralmente por falha respiratória. Maria Assunção não quer ser ligada a um ventilador. Morrerá em casa e sem tratamentos agressivos."Se estivesse num hospital era ligada a um ventilador e ninguém lhe daria atenção. Aqui tem calor humano. Pode ser mais doloroso para nós, ela perde capacidades de dia para dia, mas é menos doloroso para ela. E a vontade do doente deve ser respeitada", explica o marido.Os primeiros sintomas da doença de Assunção começaram aos 53 anos, quando deixou de ter força no braço esquerdo, mas a doença só lhe foi diagnosticada dois anos depois, aos 55, idade a partir da qual surge na maioria dos outros doentes. Soube que era a mesma doença que vitimou Zeca Afonso e que teria apenas três anos de vida. Entrou em pânico. Esteve internada no Hospital Júlio de Matos. Elizabete Peralta, psicóloga do Júlio de Matos, deu-lhe os instrumentos necessários para ultrapassar a situação. Indicou-lhe também a médica Ana Bernardo, da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, a voluntária que a assiste em casa. Maria Assunção não perdeu as capacidades intelectuais, ou seja, a capacidade de sofrimento.Gastou dias na Internet a informar-se sobre a doença, agarrou-se aos livros. Quando deixou de mexer os dedos pôs um colarinho no pescoço, o livro num suporte e tinha uma mão amiga para lhe virar as páginas. Deixou de mastigar. Colocaram-lhe uma PEG, uma sonda ligada ao estômago, para se alimentar. É o máximo que Maria Assunção permite. Às vezes, já não suporta o esforço para se deslocar às visitas médicas de rotina. A família respeita tudo o que ela diz, ou o que consegue perceber que diz. Assunção não fala e a comunicação dá-se através das pálpebras, um linguagem mais perceptível pela filha Cláudia. Quando fecha os olhos quer dizer "sim". Outra vezes, tenta-se construir palavras percorrendo o alfabeto. Mais uma vez, a professora cerra as pálpebras para indicar a letra certa.A família respeita tanto as decisões diárias - por exemplo, se não quer receber uma visita ou tirar fotografias para o jornal - como as que manifestou quando percebeu que a doença não tinha bilhete de regresso. Escreveu que quer ser cremada e doar os órgãos, para transplante ou estudo. Não quer morrer num hospital. Domingos Martins já estava reformado quando a mulher adoeceu, era empregado bancário. Agora está no sector imobiliário. Paga a três empregadas, uma para dar banho à mulher e duas para os turnos diários, porque Assunção não fica na cama. Transportam-na numa cadeira de rodas para o sofá na sala, onde se acende a televisão. A família tem possibilidades económicas e organizou-se para manter Assunção em casa. Ela não está sujeita à decisão de uma equipa de médicos, o que poderia levar ao prolongamento do seu sofrimento. Mas, se vivesse em Espanha ou em França, por exemplo, poderia fazer um testamento e garantia que a sua vontade era cumprida.O Governo espanhol legislou em 2002 sobre os testamentos vitais. Segundo disse ao DN a associação espanhola Direito a Morrer Dignamente, dez mil pessoas assinaram este tipo de documento, que impõe limites nas terapêuticas e a prestação de cuidados paliativos.